uma mesa de madeira em uma cabana na normandia. totalmente parado, quente – o ar tece meias de lã. você pode tocá-lo ou não, suas escamas prateadas como uma longa pauta de notas de uma sinfonia fresca. sua cabeça está cortada, senão ele poderia, supondo que peixes pudessem ler, ler o que estaria escrito sobre a barbatana dorsal assoprando-lhe: “o que fazem, estas pessoas?” a luz se retrai suave, o papel absorve mar gota por gota. ao fundo da imagem debulha o atlântico vibrando os anúncios mais recentes de desaparecidos na praia.
nature morte
ein großer fisch, gebettet auf eine zeitung, ein tisch aus holz in einer hütte in der normandie. ganz still, ganz warm - die luft strickt wollene socken. du kannst ihn berühren oder auch nicht, seine silbrigen schuppen gleich langen reihen von noten einer kühlen symphonie. sein kopf ist ab, sonst könnte er, gesetzt den fall daß fische lesen können, lesen was über seiner rückenflosse steht und ihm souffliert: "was tun sie, diese leute?" das licht entzieht sich leise, das papier nimmt tropfenweise meere in sich auf. au fond de l'image drischt der atlantik dröhnend die jüngsten vermißtenanzeigen in den strand.
champinhom
encontramo-os na floresta em uma clareira
duas expedições atravessando o crepúsculo que se contemplavam caladas. entre nós o inquietante zumbir telegráfico do enxame de mosquitos
minha avó era famosa pela sua receita de champinhons recheados que ela levou junto ao túmulo. tudo que é bom, dizia ela precisa ser recheado com pouco mais do que de si mesmo
mais tarde na cozinha levávamos os champinhons ao ouvido e partíamos o cabo esperando o ruído suave do seu quebrar lá dentro na procura da combinação certa
champignons
wir trafen sie im wald auf einer lichtung:
zwei expeditionen durch die dämmerung die sich stumm betrachteten. zwischen uns nervös das telegraphensummen des stechmückenschwarms.
meine großmutter war berühmt für ihr rezept der champignons farcis. sie schloß es in ihr grab. alles was gut ist, sagte sie, füllt man mit wenig mehr als mit sich selbst.
später in der küche hielten wir die pilze ans ohr und drehten an den stielen – wartend auf das leise knacken im innern, suchend nach der richtigen kombination.
minhocas
naquele verão o solo estava rachado e seco ali, com fio elétrico e arames no chão criávamos um falso tempo para atrair as minhocas, impelir qualquer hermafrodita ao brilho do gancho. anos depois
vejo no céu a passagem de suas sombras, gigantescas nas nuvens escuras, apresentando-me o mundo como um quadrado frio diante da janela. espero a batida na minha porta e diante do vidro cai e cai a chuva. desconfio de cada gota
regenwürmer
in jenem sommer lag die erde rissig und trocken da. mit wechselstrom und drähten im boden schufen wir ein falsches wetter, die würmer anzulocken, jene zwitter an blanke haken auszuliefern. jahre später seh ich am himmel ihre schatten ziehen, riesig, in dunklen wolken, präsentiert sich mir die welt vorm fenster als kaltes quadrat. ich warte auf das klopfen an meiner tür und vor der scheibe fällt und fällt der regen. ich mißtraue jedem tropfen.
jardim botânico
as palavras pesando em ti casais silenciosos vagando para lá e para cá o gélido brotando das cercas de ferro forjado a luz aristocrática pálida como cera avistei no alto do morro os vidros da estufa suas costelas brancas, fin de siècle, e logo pensei naquele esqueleto de baleia para o qual se vira a cabeça quando criança no museu, preso nos cabos invisíveis, parecendo flutuar, suspenso, nesses monstros alagados, encalhados saídos das remotas profundezas insondáveis da encosta sufocados com o seu próprio peso
botanischer garten
dabei, die worte an dich abzuwägen –
die paare schweigend auf geharkten wegen, die beete laubbedeckt, die bäume kahl, der zäune blüten schmiedeeisern kühl, das licht aristokratisch fahl wie wachs – sah ich am hügel gläsern das gewächs- haus, seine weißen rippen, fin de siècle, und dachte prompt an jene walskelette, für die man sich als kind den hals verdrehte in den museen, an unsichtbaren drähten, daß sie zu schweben schienen, aufgehängt, an jene ungetüme, zugeschwemmt aus urzeittiefen einem küstenstrich, erstickt an ihrem eigenen gewicht.
o ocidente
o rio imagina peixes. o que foi aquilo
que o sargento henley lhe arrancou logo de início, os olhos amarelos e hirtos, os bigodes dois colchetes à volta do focinho cinza que fazem até o cão gemer?
a velocidade da correnteza e a sua relutante gramática, que nos segue em direção à fonte. as montanhas sedentas ao longe, a planície de grama e aqui e ali um nativo, que se diverte em nos observar e depois desaparece na floresta. registramos tudo no velho mapa de adam, classificando espécies e atitudes. a febre nos músculos e durante semanas manter-se com a dieta de raízes e a confiança em deus. debaixo da camisa os carrapatos dando alfinetadas na pele: assim captamos a dimensão do selvagem em nós.
estranho sentimento: ser a fronteira, o ponto, no qual se finda e começa. ao redor do fogo, à noite, nosso sangue circulando sob as nuvens de mosquitos enquanto costuramos com espinhas duras os couros, dos sapatos para o nosso destino e das cobertas para os sonhos. adiante o inatingível, atrás de nós as aldeias dispersas, suas escrituras de cercas e portões, atrás de nós os transportes dos comerciantes, as grandes cidades, cheias de ruídos e futuro.
der westen
der fluß denkt in fischen. was war es also,
das sergeant henley ihm als erster entriß, die augen gelb und starr, die barteln zwei schürhaken ums aschengraue maul, das selbst die hunde winseln ließ?
die stromschnellen und ihre tobende grammatik, der wir richtung quelle folgen. die dunstgebirge in der ferne, die ebenen aus gras und ab und zu ein eingeborener, der amüsiert zu uns herüberschaut und dann im wald verschwindet: all das tragen wir in adams alte karte ein, benennen arten und taten. fieber in den muskeln und über wochen die diät aus wurzeln und gottvertrauen. unterm hemd die zecken wie abstecknadeln auf der haut: so nimmt die wildnis maß an uns.
seltsames gefühl: die grenze zu sein, der punkt, an dem es endet und beginnt. am feuer nachts kreist unser blut in wolken von moskitos über uns, während wir mit harten gräten die felle aneinander nähen, schuhe für unser ziel und decken für die träume. voraus das unberührte, hinter uns die schwärmenden siedler, ihre charta aus zäunen und gattern; hinter uns die planwagen der händler, die großen städte, voller lärm und zukunft.
hamburgo - berlim
o trem freia no meio do trajeto. lá fora alguém deixou de virar a manivela: a região encontra-se inerte como um quadro diante do terceiro golpe do leiloeiro
uma cidadezinha de costas para o dia. as árvores agrupadas com capuz escuro. campos retangulares as cartas de um enorme jogo solitare
ao longe dois moinhos eólicos planejam uma sondagem no céu: deus suspende a respiração.
hamburg - berlin
der zug hielt mitten auf der strecke. draußen hörte man auf an der kurbel zu drehen: das land lag still wie ein bild vorm dritten schlag des auktionators.
ein dorf mit dem rücken zum tag. in gruppen die bäume mit dunklen kapuzen. rechteckige felder, die karten eines riesigen solitairespiels.
in der ferne nahmen zwei windräder eine probebohrung im himmel vor: gott hielt den atem an.
elegia à cidadezinha
as caravanas das sombras, todas as manhãs o seu alvorecer, e as lavanderias automáticas, que sempre despertam de um sono limpo
e no caminhão de entrega balançam as metades do porco entre sim e não nas tílias crescem corações. e não cabe
mais do que uma folha de papel entre mim e o mundo. e nos jardins, atrás das moitas os cortadores de grama anunciam maio
kleinstadtelegie
die schattenkarawane, jeden morgen ihr aufbruch, und die waschanlage, die stets aus einem reinen schlaf erwachte.
und in den lieferwagen pendelten die schweinehälften zwischen ja und nein, den linden wuchsen herzen. und es paßte
nicht mehr als ein blatt papier zwischen mich und die welt. und in den gärten, hinter allen hecken verkündeten die rasenmäher den mai.
bar na província
atrás do balcão em frente à porta a fotografia emoldurada do time de futebol heróis sorrindo, que não deixam perceber os pregos enferrujando nas costas de suas camisas
gaststuben in der provinz
hinter dem tresen gegenüber der tür das eingerahmte foto der fußballmannschaft: lächelnde helden, die sich die rostenden nägel im rücken ihrer trikots nicht anmerken lassen.
Jan Wagner nasceu em 1971 em Hamburgo e vive em Berlim. É poeta e tradutor de literatura anglo-americana. Ganhou vários prêmios no gênero poesia entre eles o prestigiado Prêmio Friedrich Hölderlin.
Viviane de Santana Paulo, paulistana, é autora dos livros Passeio ao Longo do Reno (2002) e Estrangeiro de Mim (2005), publicados pela editora alemã Gardez! Verlag. Participa das antologias Antología de poesía brasileña (Huerga Y Fierro, Madri, 2007); e Roteiro de Poesia da Brasileira - Poetas da década de 2000 (Global Editora, São Paulo, 2009). Publicou poemas em revistas e jornais literários brasileiros e latino-americanos.
[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano III - número
9 - teresina - piauí - abril maio junho de 2011]